sexta-feira, fevereiro 11, 2011

Homenagem a Reynaldo Jardim






A Associação dos Amigos e Reynaldo Jardim (Arrey) lembrou o sétimo dia da morte do poeta e jornalista com um recital aberto à comunidade com a participação de Chacal, Nicolas Behr, João Antônio, Carmem Moretzsohn, Guilherme Reis e Angélica Torres, que declamarão poemas e lerão textos de Reynaldo Jardim e Renato Matos e Janete Dornellas na programação musical.


O filme Profana Via Sacra, de Alisson Sbrana, premiado no 43º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, tem exibição na mesma noite.



A homenagem aconteceu nesta segunda (7 de fevereiro),  no Auditório do Museu Nacional da República (Esplanada dos Ministérios).
 Poema Visuais de RJ.

TATU E A MOÇA
Pela de R.J. na I BIP, 2009
 
REYNALDO JARDIM

Toda a obra do artista e poeta está agora compilada na monumental antolggia SANGRADAS ESCRITURA (Brasilia: StarPrint, 2009), com 1170 páginas, a maioria a cores! Poemas discursivos e visuais de todas as épocas.  A seguir, alguns exemplos:

MORADIA 
REYNALDO JARDIM

REYNALDO JARDIM
QUE É ISSO?


ÍNTIMA GRAFITE
Texto e gravuras de
Reynaldo Jardim.
 Projeto gráfico de Alisson Sbrana. 
Brasília:  FAC, 2010.  76 p.  ilus.col.
 
Mais um livro do nosso criativo, divertido e — por que não reconhecê-lo — genial poeta Reynaldo Jardim: multifacético experimentalista das linguagens intergenéricas, que vão da poesia às artes plásticas, às artes gráficas. Íntima Grafite é um livro para o olho e para as sensações mais ingênuas e sutis de nossa percepção estética. Que será que ele estará aprontando depois desta nova revelação? Já andou pelo cordel, pela poesia lírica, pelo texto infanto-juvenil, pela multimidia e até inventou um idioma para seus poemas sdque só ele conhece, mas que ao ouví-lo, não ficamos indiferentes...
Aqui vão dois exemplos mais recentes de sua criação.  

Outros Poemas:

O som embutido na matéria  
O Som se oculta no
Lenho da madeira,
Cordas de piano,mesa
De bar,corpo de cristal
Ou vidro ordinário,
Se esconde,o Som ,nos
Másculos do corpo,couro
Do tamborim, no
Stradivarius, ossário
Dos animais carnívoros
Ou não.
Em silêncio o Som
Aguarda que o libertem
Da matéria bruta ou
Manufaturada, para
Expressar sua angústia,
Melodia, ruído ,linguagem
Áspera, doce , requintada ,
Basta um leve toque
No atabaque, da baqueta
Na pele tensionada
Do surdo para que
Ele,o Som,rompa a
Mortalha e vibre no ar
O ritmo do samba sincopado.
Ele ,o Som,grita quando
A porta bate forte no
Batente e se desespera
Quando mãos desajeitadas
Foram, dele o irritante
Arranhar de lixa polindo
A ferrugem das cascos
Dos navios.
O Som implora que
Todos o tratem com
A delicadeza de um
João Gilberto.


Maternal

Ela se deita,
Diz que não se importa
E deixa a porta
Escancarada e nua
Ela projeta
Uma sombra torta,
Iluminada pela luz da rua.
A lua bate e ela
se comporta
Como se a lua fosse
Seu cachorro
que amestrado
Lhe beijasse a boca,
que sensitivo
Lhe aplacasse o choro.
E esse quarto
vira uma loucura
de bocas,de cachorro
de ternuras
de luas espalhadas
Água em chamas.
No incêndio dourado
de seus pêlos
queimam-se desvarios
e desvelos.
O mel de leite
Brota em suas mamas. 

De
CANTARES
PRAZERES
Brasília: Artway, 1986.

DESAMORES
     Quero me despojar
     de tudo o que não tenho.
     Limpar meus horizontes
     de artes e de engenho.
     Quero me desfazer
     de tudo o que não tive.
     A certeza certeira
     de quem viveu não vive.
     Quero me entristecer
     de alegria e calma.
     Olhar no espelho e ver
     a cara de minha alma.
     E quero dessofrer
     o que nunca sofri.
     O gosto do prazer:
     sumo de sapoti.


SONETO TRAVADO

O que será que ela me ama,
se a impudência da ternura,
o quando vou, a volta escura,
esse parir quando me chama?

O que terá que assim me odeia,
por que se faz de alegre e raiva,
sendo a distância que desmaia,
por que me aranha em sua teia?

O que faria se me esquece
e já me fere da esquivança,
senão me erra o que padece:

a manhã cedo em cada prece,
a fúria azul dessa lembrança,
o calendário que enlouquece.


BETA

Ora que não se dá,
ora que não se deu.
Posto que não se é
aquilo que se perdeu.
Visto ser como fica:
figo, água, leite, aço,
perde se corporifica
as auras  de seu espaço.
Mas se libera, excitada,
suas vergonhas de sede,
o gosto da vida embala,
range o balanço da rede.
E ao perfume do incenso,
a maresia salgada,
soma seus cheiros de argila
o ar da manhã molhada.


ESPONJA

Um átimo de vida
que flor se repartisse
e vivo quanto fosse
em dor se refizesse
para depois repor
em flor se reflorisse
num átimo de tempo
a vida nova cresce
na forma original
que assim reaparece
e tudo volta igual
qual tudo nada fosse
o mesmo que não fora
a esponja nem percebe
a forma que estoura
a sua própria norma
e volta a constelar
o que contém a forma.


De

coleção de poeta
apresenta
Reynaldo Jardim


(folheto e CD)

Círculo de Brasilia Editora, 2008
(Editor: Alex Cojorian)
SE EU QUISER falar com deus
Se eu quiser falar
com Deus,
tenho que abaixar a crista,
tenho que seguir à risca
o que o Gil me ensinou.
Tenho que aguardar na lista
minha vez, minha
audiência.
Uma vaca de paciência,
ruminando meus pecados.
Quando chegar a minha vez,
tenho que soltar o grito.
Pois daqui ao infinito,
Deus não vai me escutar.
Ele está ficando surdo,
já não enxerga direito,
constrangido e contrafeito
com o mundo que criou.
Antes de falar com Deus,
eu arrumo um pistolão.
Pode ser Antonio ou João,
qualquer santo de prestígio.
Tenho que levar presentes,
minha alma, meu delírio,
a luz acesa de um círio
que ele está na escuridão.
Se eu quiser, mas eu

não quero,
que esse Deus é prepotente.
Ele é onipresente,
só não está onde eu estou.
Se quiser falar comigo,
não atendo ao celular.
Não deixo a mesa do bar,
que esse chope está demais.
Eu só vou falar com Deus,
quando ele matar a fome
dessa criança sem nome,
que não pára de chorar.
Quando ele descer do céu
e vir que cada menino,
sem presente, sem destino,
precisa de um beijo seu.

O silêncio é sórdido
Deus criou o ruído, o marulhar,
o estrondo, canto de pássaros,
som cosmogônico, gemer do vento,
farfalhar das folhas, sonora eloqüência da vida.
Deus sempre foi ruidoso.
O demônio inventou o silêncio
letárgico, letal.
Punhal insensível cravado em si mesmo.


Da Pele

O que está na pele
que a pele não entende:
a suave canção
que outra pele acende.
Alguma ilusão
de ser limite e casca.
O campo onde o ar
tangencia, ultrapassa,
perfura para dentro,
transiciona para fora,
acende no suor
a fauna de sua flora.
Os fios de estanho
em eletricidade.
Algum rubor estranho,
essa motricidade.
Não entende as aberturas
para dentro do soma.
O sim de seu avesso,
o pão de seu aroma.
A peneira dos poros,
a poeira dos talcos.
A proteína achatada
dançante sem seu palco.
Nem porque está morta
se é de vida seu dia.
Ou porque num repente
sob o sol se arrepia.


PaSSaporte falso

Você escondeu de mim a minha imagem,
você marcou em mim o desespero.
Você buscou em mim sua coragem,
você deixou em mim seu desmazelo.

Minha imagem ficou no seu espelho,
o desespero gravou-se na rotina.
Minha coragem é um escaravelho
devorando o refugo na surdina.

O que eu fiz de mim foi crueldade,
deixei meu corpo aberto à sua sanha.
Sou um produto já sem validade
estrangeira de mim em terra estranha.

Você  me deu um passaporte falso,
me desembarcaram no primeiro porto.
Pego carona no próximo barco,
e faço o parto do meu próprio corpo.

Tenho que renascer urgentemente,
esquecer que você foi o meu vício.
De hoje em diante a busca do prazer,
vai ser, por toda a vida, meu ofício.


Brilhos

A palavra brilha
(repentina brilha)
onde repentina
fulgurante brilha?
Na boca do estômago,
na garganta seca,
no ar respirado,
na vulva, na teta.
Onde dá o bote
e sacode o guizo?
Na fronte, na mente,
lábios ou juízo?
É a castanhola?
Cascavel safada?
— Crótalo!
E a sua faca
já está cravada.


Guerra na gruta

— Vronsq! Artevesq berra entrando na gruta
— Escri! Responde o bárbaro do fundo
Quem pode soluçar no grascorundo
Grishar income dieritar-se em bruta

Vronsq de crisq ferra o matrimônio
Frinca o quetar enda o pirone
Salca o Critillo em cataloscópio
Frinca a gratera: entertelapo

Ongra! Vrens! Grisf! Vortobendo
Sim finilong sinfinilong sinfinilong

Ara de gretas fricat incortelura
A gresta fita e poduratavis
Gronsqu e Vronsq se derramara


Hino Nacional Alternativo
(1988)

Música- Jorge Antunes

Letra- Reynaldo Jardim

Da paisagem ferida,
da criança lesada,
da mulher soluçando,
homem triste na estrada,
desta terra traída,
pobre gente humilhada,
há de bela explodir
a nação libertada.

Seja o choro incontido
um clamor de alegria,
seja o tempo sofrido
as raízes do dia.

Seja o canto emotivo
a paixão rebeldia,
no trabalho do povo
é que o povo confia,
há de o povo cantar
o Brasil renasceu,
nossa pátria é você,
minha pátria sou eu.



OTO DIAS BECKER REIFSCHNEIDER*
ESPECIAL PARA O CORREIO


         Cheio de vida, cheio de ideias, faleceu Reynaldo Jardim.Meu conhecimento do poeta e jornalista se deu no fim de 2007, pela compra de livros seus num sebo em Brasília que havia arrematado a biblioteca do artista Rubem Valentim—uma das tantas tristes histórias de descaso com nossa cultura. Conversei exatamente três vezes com ele:

         – em 2008, na 1ª Bienal de Poesia, organizada pelo prof. Antonio Miranda na Biblioteca Nacional de Brasília, onde Reynaldo foi homenageado. Levei, para a inauguração, o livro Particípio presente, editado em 1954 numa tiragem de apenas 120 exemplares, que eu comprara num golpe de sorte em São Paulo. Reynaldo ficou surpreso ao ver o livro, me disse que não possuía cópia, chamando os filhos para conhecerem a obra. Eu procurava um outro trabalho seu, um livro de poesia concreta de 1959 intitulado Science fiction .
Ele disse que tinha um exemplar para me dar.
Peguei o contato de um de seus filhos para combinarmos um encontro, mas a coisa não deu certo, não me lembro se perdi o telefone ou o que aconteceu.

         — Nosso segundo encontro foi na comercial da 302 Norte. Vi Reynaldo atravessando  a rua, corri atrás. Conversamos rapidamente e, dessa vez, foi ele quem pegou meu contato (acho). De qualquer forma, a segunda vez também não deu em nada. Eu, depois de nossa conversa, saí correndo para buscar o Joana em Flor, para que ele autografasse para mim, mas quando desci já era tarde.

         — Como dizemos americanos, the third time’s the charm. Consegui seus contatos, telefonei para ele. Marcamos para o mesmo dia, de manhãzinha, em sua casa — foi em novembro do ano passado. Assim que cheguei à sua casa,me aguardava uma pilha de livros seus, com os quais me presenteou — hoje tenho suas obras completas, em livro. O mérito, aliás, de ter conseguido o livrinho de 1959 é de sua esposa, Elaina, que ao longo dos anos garimpou e guardou com carinho essas raridades.

         Não digo que passei a manhã toda com ele, pois metade do tempo estava ocupado ao telefone, sendo requisitado para questões das mais variadas, como foram diversas as temáticas de nossa conversa. Lá pelas tantas, Reynaldo parou, olhou para a mesa, para o bufê (cheio de livros), tateou entre os papéis e proferiu: “Acabou o combustível! ”  Não havia mais cigarros, charutos ou cigarrilhas; saímos para comprá-los.

         Estava trabalhando com desenhos e recortes para um próximo livro de poesias e tratando de sua ida a São Paulo, para receber o Jabuti—segundo colocado com seu Sangradas Escrituras, verdadeira bíblia da poesia de Reynaldo. Iria para a capital paulista de carro, fazia décadas não entrava num avião. Contou-me que inicialmente não tinha problema algum em voar, mas sua primeira esposa era tão apavorada que o medo o acabou contaminando. 
Pensou mesmo em recusar o prêmio, ou aprontar alguma durante a premiação,mas, por apelo da família e de amigos, resolveu não contrariar — o amor, tão cantado  por   Reynaldo em sua poesia, venceu a irreverência.


*Oto Dias Becker Reifschneider, 31 anos,
brasiliense, é bibliófilo, graduado em história e doutorando em biblioteconomia.



[Reynaldo Jardim, foi um jornalista e poeta brasileiro nascido em São Paulo, no dia 13 de dezembro de 1926, e falecido em Brasília, em 1º de fevereiro de 2011 [1]. Reynaldo Jardim faleceu aos 84 anos de idade, em decorrência de complicações causadas por aneurisma na artéria aorta abdominal. Ele estava internado no Hospital do Coração, de Brasília [2].

Foi redator das revistas O Cruzeiro e Manchete;

Exerceu cargos de chefia na Rádio Clube do Brasil, na Rádio Mauá, na Rádio Globo e na Rádio Nacional no Rio de Janeiro e na Rádio Excelsior de São Paulo.

Realizou reformas gráficas em jornais como A Crítica (Manaus), O Liberal (Belém), Gazeta do Povo (Curitiba), Jornal de Brasília (Brasília) e Diário da Manhã (Goiânia).

Em Brasília, foi editor do caderno Aparte, do Correio Braziliense e diretor executivo da Fundação Cultural do Distrito Federal.

Participou, nos anos 50, da Reforma do Jornal do Brasil - onde criou o Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, o Caderno de Domingo e o Caderno B.

O SDJB tornou-se o mais importante suplemento literário de poesia concreta do Brasil, por onde passaram Oliveira Bastos e Mário Faustino.

Ao ser obrigado a deixar o JB, em 1964, devido à repressão militar, Reynaldo Jardim foi diretor da revista Senhor e diretor de telejornalismo da recém-inaugurada TV Globo. Já em 1967, criou o jornal-escola O Sol com textos criativos e projeto gráfico inovador.

Viúvo do primeiro casamento, no qual teve dois filhos: Teresa e o filho falecido Joaquim, Casou-se com a jornalista Elaina Maria Daher que mesmo trabalhando fora e cuidando da casa dá todo apoio à arte do marido. Elaina gosta de dizer: "Eu me preocupo com as coisas sem importância, como pagar as contas e fazer supermercado, enquanto o Reynaldo se preocupa com o que é importante, como física quântica, poesia moderna e o cosmos" Chegou em Brasília aonde vive com a mulher e os seus três filhos (Rafael, Gabriel e Micael), em 1988.

Reynaldo Jardim manteve coluna diária de poesia de 2004 a 2006 no Caderno B do Jornal do Brasil Em 1968 havia tido a mesma experiência, de um poema por dia, no Jornal de Vanguarda, exibido pela TV Rio quando, ao vivo, comentava em versos o acontecimento mais importante do dia.

Escreveu alguns livros de poemas, entre eles: Paixão segundo Barrabas, Maria Bethânia Guerreira Guerrilha, Joana em flor, Viva o Dia, Cantares Prazeres, Lagartixa escorregante na parede de domingo.

Fontes: 
http://pt.wikipedia.org/wiki/Reynaldo_Jardim; Jornais Diversos e o Blog de Antonio Miranda

3 comentários:

  1. Homenagem mais que merecida!
    Foi-se um Grande Artista, pleno e múltiplo.
    Ligia Barros-[Brasileira de BH em NY]

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  2. Eu lia muito o Jardim na Revista Bundas, da qual também fui colaborador. Uma grande perda mesmo.

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  3. Eu não conhecia Reynaldo Jardim, mas esta homenagem é um "espelho", onde consigo "ver/a cara" da sua alma.
    Parabéns a todos e, muito especialmente, ao Reynaldo, pelos seus belos "80 anos dedicados à vida e ao amor".

    Maria João Oliveira

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Obrigada pela Visita!
Boas Leituras.