terça-feira, julho 20, 2010


 DOUTOR HONORIS CAUSA


A JOSÉ MANUEL DURÃO BARROSO

Deonísio da Silva*
Venho solicitar aos dignos conselheiros do CONSUNI que a Universidade Estácio de Sá conceda ao professor universitário e estadista português José Manuel Durão Barroso  o título de Doutor Honoris Causa.
A palavra doutor apareceu no português no século XIII, quando nossa língua ainda balbuciava rumo à autonomia, designando aquele que sabia ensinar,  função resumida três séculos depois como um saber de experiências feito, na bela síntese expressiva de famoso verso de Luís de Camões, quando a última flor do Lácio, inculta, mas bela, já estava consolidada.
Nossa língua demorou bastante para ficar tão rica e tão expressiva.  São igualmente longos os prazos da universidade e da cultura, ainda que hoje vivamos um tempo em que a urgência da práxis apresse a tudo e a todos e, claro, no ritmo imperante, também a universidade .
Se é verdade que o lugar natural para buscar o saber continua a ser o ambiente universitário, não é menos verdade que os primeiros docentes das nascentes universidades europeias, precursoras de todas as nossas, no mundo inteiro, foram assim chamados porque sabiam fazer e dominavam, não apenas aquele saber e aquela ciência, mas também a arte de ensiná-los aos outros.
Os primeiros doutores foram, então, docentes, denominação que com o tempo ganharia a variante de professor, por força das imposições da Igreja e das Ordens Religiosas, que jamais se descuidaram de formar quadros profissionais, não apenas para si mesmas, mas também para o Estado e para a Sociedade.  Mudaram de docentes para professores porque era condição indispensável para ensinar que fossem professos, fizessem a profissão dos três votos clássicos: pobreza, castidade e obediência.
Esses novos saberes e novas denominações que eram engendrados surgiam ainda nos albores da língua portuguesa, que aos poucos deixava o latim, como o filho deixa a mãe porque, criado, pode viver dali por diante sem os até então indispensáveis cuidados maternos.  Não é por outro motivo que chamamos língua materna o idioma que recebemos de nossa mãe.
Com o leite que lhe vem dos seios e as palavras que lhe vêm da boca amorosa, à sombra de olhares, ouvidos e toques delicados, aprendemos desde o colo e do berço, e provavelmente ainda no útero, o lugar em que o ser humano está mais protegido em toda a sua existência, que a palavra nos é tão indispensável quanto o alimento.  E que o pão nosso de cada dia inclui também a palavra.  Assim, denominamos aluno aquele a quem ensinamos, cujo étimo está ligado ao verbo latino alere,  alimentar.  Nos primórdios, alumnus foi aquele que ainda precisava ser alimentado: em casa, com o pão propriamente dito; e na escola, com o pão do espírito, se bem que a merenda escolar tenha vindo completar também a alimentação nos primeiros anos escolares, providência que para sorte dos estudantes continua até os dias de hoje.  E nunca foi favor, como registra o étimo da palavra merenda, ligada ao verbo merecer.
Do contexto de nossas aprendizagens iniciais, cuja primeira professora foi nossa mãe, nasceram as maravilhosas cantigas infantis, depois recolhidas em nosso cancioneiro.
Nas canções de ninar, aprendemos que algo ensinado com amor é mais duradouro, mais eficiente e tem duração perpétua.  Quem esquece as primeiras palavras cantadas ou ditas, logo depois de constatarmos que choros e gritos já não obtinham o mesmo efeito, já não atingiam os objetivos do choroso, que dali por diante seria indispensável recorrer ao verbo? E que algumas solicitações precisavam ser dosadas de modo diferente, não mais pressionadas por choros e lamúrias?  E que era preciso confiar na palavra da mãe e do pai, e mais tarde na dos professores, que, mediante a palavra, garantiriam o atendimento, mas a seu tempo?  Depois de comer, de rezar ou de estudar, aí, sim, vinha a vez da brincadeira, do campo, da rua!  E para isso era preciso confiar na palavra!  Na palavra dos outros!  Surgia, assim, a expressão gente de palavra, isto é, em quem se pode confiar, pessoas que, se prometem, cumprem!
No princípio era o Verbo, nos ensina São João em seu poético e filosófico evangelho. No meio e no fim também será o Verbo, acrescenta este humilde escritor e professor, ainda que sem o talento narrativo daquele apóstolo.
Pois, pulando parágrafos extensos que poderiam aborrecer os mais apressados, como quem já pulou vários séculos para rastrear os albores da universidade e da língua, venho dizer a colegas cujas companhias tanto me alegram os dias, que José Manuel Durão Barroso é um homem de palavra e um homem da palavra!  Ele recebe de nossa universidade a mais alta distinção que lhe podemos conferir, o título de Doutor Honoris Causa, em Copacabana, no mesmo bairro onde nasceu seu pai. Este ilustre estadista português descende de brasileiros, mais especificamente de cariocas!
Antes da Estácio, que há tempos vem acompanhando o périplo do professor e estadista que hoje homenageia, antenada que está à onisciente e onipresente mídia do mundo,  outras universidades - americanas, europeias, asiáticas etc -  já fizeram este alto reconhecimento a José Manuel Durão Barroso.
Este foi o caso da Universidade de Georgetown, nos EUA; da Universidade de Gênova e da Universidade Sapienza, ambas italianas, e da Universidade de Kobe, no Japão.
Também o prestigioso jornal European Voice concedeu a José Manuel Durão Barroso, por sua produção intelectual sobre ciência política e relações internacionais,  o título de Europeu do Ano, em 2007.  Destacou, naquela ocasião, referências solares do périplo de intelectual e de estadista do agraciado, como os ensaios "Le système politique portugais face à l'intégration européenne" (Lisboa e Lausana, 1983), "Uma Certa Ideia de Europa" (1999), "Mudar de Modelo" (2002) e "Reformar: Dois Anos de Governo" (2004).
Nos despachos internacionais sempre é lembrado que José Manuel Durão Barroso nasceu em Lisboa, em 23 de março de 1956.  Depois de se licenciar em Direito na Universidade de Lisboa, mudou-se para Genebra, onde concluiu o Diploma de Estudos Europeus do Instituto Universitário de Estudos Europeus da Universidade de Genebra e o Mestrado em Ciência Política do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Ciências Econômicas e Sociais da Universidade de Genebra, ambos com distinção.
Como doutor que ensina, ingressou na carreira acadêmica, tendo sido sucessivamente assistente na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, assistente no Departamento de Ciência Política da Universidade de Genebra e professor convidado no Department of Government e na School of Foreign Service da Universidade de Georgetown (Washington D.C.).  Em 1979, fundou a Associação Universitária de Estudos Europeus.  Em 1995, foi nomeado Diretor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Lusíada, em Lisboa.
A sua carreira política começou em 1980, quando aderiu ao Partido Social Democrata Português (PSD), sendo eleito Presidente do Partido em 1999, cargo para o qual foi reeleito três vezes.  À época foi designado Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal. De abril de 2002 a julho de 2004, desempenhou a função de Primeiro-Ministro, o cargo mais importante  de qualquer democracia parlamentar. Em 2005, assumiu as funções de Presidente da Comissão Europeia, o órgão executivo da União Europeia , que sucedeu a antiga Comunidade Europeia. Sob a égide do Tratado de Maastricht, 1993, a Comissão Europeia tem a responsabilidade de formular e executar políticas comuns para os países-membros e para todo o espaço comunitário europeu. De 2005 a 2010, Durão Barroso encabeçou as decisões da Comissão com tanta maestria e arte que, no final de 2009,  foi novamente convidado pelos líderes das potências europeias a formar nova Comissão, com 27 comissários, representando os 27 países-membros, a qual governará a Europa até o final de 2014. A sua recondução foi sancionada com ampla maioria pelo Parlamento Europeu, em Estrasburgo.
O lugar de relevo e liderança que a Europa desempenha hoje no concerto das nações deve muito ao trabalho de nosso homenageado em seu primeiro mandato à frente da Comissão Europeia, como deverá ainda mais depois deste segundo mandato de José Manuel Durão Barroso, uma das pessoas mais influentes do mundo, por saber coordenar as aspirações  dos estados-membros, batalhando incansavelmente pelo sucesso das iniciativas em favor da integração europeia, da cooperação entre os povos e da Paz mundial, valores alicerçados na prosperidade econômica, na boa ordem política e  no diálogo entre as nações. Sua tão aplaudida ação de estadista tem sido decisiva para a União Europeia, um dos membros do G8, com mais de 500 milhões de habitantes e um Produto Interno Bruto superior ao dos Estados Unidos e mais do que o dobro do chinês, beirando 15 trilhões de dólares.

Ao propor-lhes que seja concedido o título de Doutor Honoris Causa a José Manuel Durão Barroso, estendamos nossa saudação à sua esposa, Margarida Sousa Uva, mãe de seus três filhos: Luís, Guilherme e Francisco.
Prestando a homenagem ora proposta a José Manuel Durão Barroso, a Universidade Estácio de Sá, com justo orgulho perfila-se ao lado de outras grandes universidades como as citadas para reconhecer que o agraciado merece o que ora podemos formalizar.
Parodiando Luís de Camões, que registrou com tanta genialidade a formação do Estado português em Os Lusíadas, o homenageado pode dizer com justo orgulho: “Nem me falta na vida honesto estudo,/ Com longa experiência misturado,/Nem engenho, que aqui vereis presente,/ Cousas que juntas se acham raramente”.
         Outros poderiam marcar a passagem da gloriosa efeméride dos quarenta anos da Universidade Estácio de Sá com outras iniciativas, pois, justamente por ser uma universidade, os saberes aqui nascidos e cultivados são de diversas áreas, mas, homem de letras que sou, pareceu-me que homenagear nesta oportunidade a José Manuel Durão Barroso é um bonito gesto para dar referência e indicação dos nossos passos vindouros, hoje marcados pelo reconhecimento a um homem de palavra e um homem da palavra, intelectual e estadista, que tem feito do entendimento, da paz, da concórdia e, principalmente da palavra, recursos privilegiados de convívio com o alheio, com aqueles que pensam de modos diferentes dos nossos.

Às vezes, o estadista, com os sentimentos desarrumados, pode dizer como Cecília Meireles: “E são todas as coisas uns momentos/ de perdulária fantasmagoria,/-Jogos de fugas e aparecimentos”.  Ou então lembrar  Carlos Drummond de Andrade: “Lutar com palavras/ É a luta mais vã/ Entanto lutamos/ Mal rompe a manhã”. As tarefas que o novo mandato lhe põe no caminho podem ainda ser resumidas no dito famoso de João Guimarães Rosa, outra figura solar de nossas letras: “o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”. E muito antes dos três aqui citados, escreveu Machado de Assis: “Há nos mais graves acontecimentos, muitos pormenores que se perdem, outros que a imaginação inventa para suprimir os perdidos”. Rubem Fonseca, um de nossos maiores escritores, que vive no Rio de Janeiro desde menino, agraciado há poucos anos com o Prêmio Camões,  faz num de seus romances a seguinte advertência: “Nada temos a temer, exceto as palavras”. E devemos ao nosso Osman Lins, inventivo escritor e professor universitário, premiado na Europa, essa bonita passagem: “A palavra sagra os reis, exorciza os possessos, efetiva os encantamentos. Capaz de muitos usos, é também a bala dos desarmados”.
         Cito esses escritores brasileiros até mesmo com segundas intenções, pois José Manuel Durão Barroso, sendo português, declarou-se muitas vezes “brasileiro de coração”. Ele desempenha suas complexas tarefas de estadista em diversas línguas, poliglota que é, mas as concebe em língua portuguesa, patrimônio imperecível de tantas nações, talvez a melhor herança que nos legaram os audazes navegantes que aqui chegaram no alvorecer do século XVI.  Portanto, há tão pouco tempo do ponto de vista histórico. Trouxeram tantas coisas que nos faltavam, receberam tantas outras das quais estavam tão carentes, que, ao nos deixarem, sentiram saudades nossas.
Mas nós, brasileiros, sabemos que as nossas saudades são ainda maiores e ao homenagear a José Manuel Durão Barroso, português e cidadão do mundo, matamos um pouco algumas delas nesse glorioso modo de dizer do português, que diz que mata a saudade, quando apenas faz o corte para que ela possa brotar sempre de novo, até que o tempo, que tudo consome, consuma também o tempo que me foi concedido para externar a meus colegas de Conselho Universitário as brevíssimas razões aqui proferidas para embasar a decisão da Universidade Estácio de Sá de conceder o título de Doutor Honoris Causa a tão ilustre Chefe de Estado.
Que o doutor José Manuel Durão Barroso receba a honra que seu percurso de professor, intelectual e estadista lhe assegurou.  Ele fez por merecer este título de Doutor Honoris Causa que a Estácio hoje lhe concede. 


[* Deonísio da Silva , escritor, é doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), professor, pró-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro, e autor de romances, livros de contos e De Onde Vêm as Palavras (Editora Novo Século). Recebeu o Prêmio Internacional Casa de las Américas e foi premiado também pela Biblioteca Nacional. ]

Um comentário:

  1. Receber um título de Doutor Honoris Causa é de fato uma grande honra merecida, esta se torna maior ainda recomendado por não menos ilustre Doutor Deonísio da Silva.
    Siderópolis, Tubarão e toda Santa
    e Bela Catarina se orgulham de seu
    ilustre filho da Silva.
    Que as 'Terezas' deixem passar
    meu parco latim, como dizia
    Wilson Martins sobre os latidos
    de Paulo Leminski, deste tantos
    que já se foram, restam saudades.
    "Ave magister, alentum alumnus tuis
    et verbum vocatis semper,
    omnibus te salutant".

    Celito Medeiros
    Embaixador Universal da Paz
    (Genève Embassy - Suisse)

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